O debate em torno da presença digital na Educação é complexo. Ele envolve inúmeras variáveis que precisam ser analisadas no detalhe, comparadas umas às outras, observadas em termos dos seus dos potenciais e problemas, de forma que possamos encontrar soluções que de fato mobilizem professores e alunos em direção a uma aprendizagem inovadora, crítica, inclusiva e diversa.

A IA Generativa já faz parte da estrutura educacional, queiramos ou não. Ela está presente nas mais diferentes aplicações das tecnologias digitais em nosso cotidiano. Os alunos estão expostos a diversos formatos de texto eletrônico desde a 1ª infância, em que a escrita verbal está justaposta a imagens e sons, seja na televisão ou no contato interativo com a tela de celulares, tablets e computadores. E a experiência vai muito além da exposição a estes formatos de comunicação.

O texto digital também gera novos letramentos e práticas sociais que envolvem novas identidades, maneiras de ser e de agir. Eventos de letramentos se disseminam via chatbots, que respondem a partir de dados textuais.

Assim, a escola que deixa a IA correr de maneira aleatória, sem desenvolver propostas pedagógicas que contemplem a aplicação e os potenciais da ferramenta, acaba perdendo a oportunidade de trabalhar habilidades hoje essenciais aos alunos e pode se tornar ainda mais obsoleta. Já a escola que assume que precisa entender esses processos tecnológicos, consegue criar janelas de aprendizagem relevantes para os estudantes.

Processo trabalhoso

É claro que isto não é simples. Os professores precisam de orientação sobre como lidar com essas tecnologias em sala de aula, como orientar os alunos e conduzir discussões sobre o tema. Mais importante ainda é que eles disponham de um ambiente seguro para conseguirem experimentar a IA e refletir sobre isso.

O trabalho com computadores envolve processos cognitivos que o letramento convencional, proveniente do método fônico, não dá conta de desenvolver. As pessoas que foram alfabetizadas no modo convencional não apresentam, a priori, as aptidões e as disposições necessárias para participarem como agentes desses novos processos, assim elas demandam o suporte da instituição.

Os professores que cursaram suas licenciaturas no modo convencional tendem a reproduzir, no ambiente digital, a mentalidade, a identidade e a epistemologia que desenvolveram ao longo de sua trajetória. Por isso temos visto práticas convencionais muito arraigadas nas soluções apresentadas pelas plataformas e aplicativos, onde modelos do passado são reproduzidos no ambiente digital sob o rótulo de modernização. Porém, existe um mundo novo e, as escolas que estiverem cientes destes desafios, criarão estratégias para que o corpo docente possa experimentar e elaborar práticas pedagógicas apropriadas aos seus contextos.

Sobre as aplicações da IAG no ambiente escolar

A prática mais usual das pessoas diante da IAG tem sido a de criarem prompts — input de sequências de orientações em linguagem natural no chatbot — buscando gerar determinados resultados; no caso das escolas, planos de aula, automatização de apresentações e imagens. Muitos veem nisso um ganho valioso no tempo de trabalho, entretanto, por mais interessante que seja, esta dinâmica não muda o processo pedagógico. Este somente poderá evoluir quando passarmos a ensinar os alunos nesse novo tipo de letramento, combinando as habilidades do humano escritor aos de uma máquina capaz de escrever.

Para chegarmos a isto é fundamental compreendermos e experimentarmos as janelas de aprendizagem (oportunidades) propiciadas pelo ambiente digital, incrementado com as funcionalidades da IAG. A partir daí poderemos desenvolver novas práticas, pois o que importa não é a tecnologia em si, mas o que ocorre em seu entorno e como ela muda processos de pensamento, possibilidades de criação e de interação. É nisso que temos que nos concentrar para entender o que podemos fazer com as capacidades atuais.

Exemplo

Um exemplo relevante é dado pelo processo de escrita, na perspectiva dos letramentos.

As máquinas têm sido aplicadas na automatização das práticas convencionais, onde os alunos são desafiados a produzirem um texto individual conforme os gêneros e técnicas de redação pré-determinados pelo professor, que irá avaliá-los e aplicar a nota final, seguindo a orientação pedagógica da escola.

A coordenação poderia adotar aqui outra perspectiva, permitindo que, em vez disso, os professores orientassem os alunos a:

  • pesquisarem as abordagens possíveis em relação a determinado tema (que pode ser proposto em conjunto com a sala);
  • debaterem o assunto com os colegas em suas mais diferentes leituras e implicações;
  • elaborarem pontos de reflexão, e;
  • criarem formas de expressão onde consigam expor o pensamento que cada um elaborou em torno do tema.

Neste caso, os gêneros e as técnicas podem emergir numa discussão posterior, quando todos tiverem exposto, revisado e finalizado a sua produção.

A tecnologia veio para justamente facilitar fluxos de colaboração, interatividade e inovação, em linguagens variadas de expressão de sentidos.

Avaliação & Revisão entre pares

A avaliação representa outro campo com vastas possibilidades de aplicação da IAG, assim como o uso pedagógico de revisão entre pares, mas falaremos sobre estes aspectos nos próximos artigos.

O que procurei alertar aqui é sobre a necessidade de os modelos de ensino-aprendizagem trazerem atividades nas quais os alunos possam atuar com as suas atuais capacidades, o que deve incluir o uso de computadores, tablets e celulares.

Esses equipamentos são hoje próteses cognitivas que mantemos próximas ao nosso corpo e com elas acessamos informações e conhecimentos para aplicar a situações do mundo real. Não vejo por que privá-los dessa experiência, sem a qual novos padrões de regulação do comportamento humano-máquina não serão alcançados e crianças, jovens e adolescentes correrão o risco de se tornaram disfuncionais adultos em uma sociedade digital.

Texto: Rodrigo Abrantes da Silva

Edição: Rodrigo Abrantes da Silva e Rosali Figueiredo